quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Dia do Blog


Hoje é 31 de agosto, Dia Mundial do Blog. OK, a marcação de uma data específica é uma besteira, não precisamos discutir isso. Mas o BF vai cair na brincadeira mesmo assim e fazer a tradicional recomendação de outros blogues que valem a visita, mesmo que apenas pela curiosidade.


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Veludo Azul


Veludo Azul (Blue Velvet, EUA, 1986). Direção de David Lynch. Com Isabella Rosselini, Kyle MacLachlan, Dennis Hopper, Laura Dern, Dean Stockwell, George Dickerson, Hope Lange, Brad Dourif.


Bee

David Lynch é, para o bem ou para o mal, um diretor único. É um dos meus cinco diretores preferidos. Mas não estou aqui pra chover no molhado, glorificando as coisas que todo mundo que acompanha e gosta muito de cinema já sabe. Estou aqui para falar de Blue Velvet.

Primeiro comentário relevante: minha gente, o que eram aqueles penteados horrorosos da década de oitenta?

Assisti Veludo Azul, ou melhor, reassisti Veludo Azul porque um dia me peguei com a canção na cabeça, e me deu uma vontade suprema de rever o filme, porque eu não me lembrava de absolutamente nada. Já o havia assistido nos idos de 95, ou seja no milênio passado - desculpem, mas a piada é irresistível. Em 95 eu tinha 17 anos, e nenhuma maturidade para Lynch, que eu só iria reencontrar de verdade aos 21, quando assisti A Estrada Perdida na sala de arte do Museu, e me apaixonei perdidamente pelo senhor Dave Keith Lynch, uma das melhores coisas que já nasceu nos States. Nessa época eu já era legalmente maior de idade e tinha uma bagagem cinematográfica mais respeitável, e pude, portanto, compreender, degustar e me maravilhar com seu estilo, técnica e sonho. Os filmes de Lynch me pegam pelo estômago e me seguram suspensa em um ponto tenso durante quase todo o tempo.

E falando em sonho, Veludo Azul é um autêntico Lynch, e possivelmente um dos menos oníricos, no sentido de que tudo no roteiro é verossímil. Louco, por vezes, ingênuo demais em outros momentos, mas sempre possível. Isso destoa na filmografia de Lynch como um cisne no meio dos patos. Não querendo desmerecer os patos, nem os filmes surrealistas do diretor, apenas aponto para o contraste. Em Veludo Azul, a atmosfera de sonho característica permanece, mas ali tudo é possível. Blue Velvet foge à regra, e mesmo assim consegue ser um ótimo filme.

O longa nos mostra a história de Jeffrey, um jovem universitário que volta a sua cidade natal devido a um problema de saúde do pai e encontra uma orelha no meio do mato enquanto atravessa um campo vazio. Isso mesmo, uma orelha. Ao entregar a orelha às autoridades, se vê envolto no processo de investigação do estranho suposto crime, motivado pela curiosidade e por um bom-mocismo que é quase intragável e talvez um dos aspectos mais surreais do filme. Nesse processo se envolve com Sandy, uma ex-colega de colégio e com Dorothy Vallens, uma cantora de cabaré, se é que podemos chamá-la assim. Dorothy personifica o exótico, principalmente por ser estrangeira, interpretada por uma Isabella Rosselii completamente entregue ao papel difícil de "mulher misteriosa perturbada à beira da insanidade".

Veludo Azul lembra muito Twin Peaks, com sua pervertida cidadezinha de lenhadores, linda por fora e apodrecida por dentro - e isso é mostrado de forma simbólica no início do filme de forma marcante com insetos horrorosos por baixo da grama perfeita - com personagens caricatos e bizarros, policiais corruptos e surreais,
capangas no melhor estilo Laranja Mecânica. É um mundo estranho, e David Lynch sabe disso.

Chama a atenção também o uso sempre impecável de claro e escuro, o foco nos atores e no texto. Destaca-se a maravilhosa caracterização do personagem Ben, drug dealer que rouba a cena nos poucos minutos em que aparece na projeção, e a interpretação e construção de personagem do Frank, que causou grande rejeição nos atores aos quais o papel foi inicialmente oferecido, à exceção de Dennis Hopper, que o abraçou imediatamente. Para Lynch todos os detalhes parecem ter igual relevência, vide a importância visual dada aos personagens secundários, como as moças gordas da casa de Ben. A utilização já bem conhecida de cortes de cena inesperados e a quebra de sequencia lógica são marcantes - Lynch não necessariamente conduz a câmera como nós esperamos, e esse para mim é um de seus pontos mais fortes, já que meu cérebro sempre é levado a algumas reviravoltas e contrações inesperadas. Bem, eu gosto.

Lindo também é o contraste entre as duas protagonistas, a colegial loira, angelical, versus a diva morena transtornada e depravada. É entre as duas que Jeffrey oscila, modificando também seu comportamento, dançando entre os dois mundos, o luminoso mundo da moça de família Sandy e a escuridão do submundo de Dorothy. Jefrrey, aliás, é um herói quase inacreditável, com com motivações incompreensíveis, sempre contido e ao mesmo tempo plácido. Hoje em dia estamos tão acostumados com os vilões e anti-heróis que os mocinhos de raiz nos parecem estranhamente deslocados. A trilha do onipresente Angelo Badalamenti, parceria constante do diretor, e a reutilização de Kyle MacLachlan, protagonista de Duna
, outro filme dirigido por Lynch, contribuem para manter a assinatura inconfundível.

Não é meu Lynch preferido, mas é um prato cheio pra quem gosta do esquisitão.













terça-feira, 30 de agosto de 2011

Melancolia (2)


Melancolia (Melancholia, Alemanha/Dinamarca/França/Suécia, 2011) Direção de Lars Von Trier. Com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Alexander Skarsgård, Charlotte Rampling, John Hurt, Stellan Skarsgård, Brady Corbet, Udo Kier, Cameron Spurr.


Daniel Fróes

Antes de mais nada, é preciso esclarecer algumas questões.

Primeiro, se você NÃO assistiu o filme, pare de ler agora e vá assistir. Eu estou falando sério. Não faz o menor sentido se informar sobre este tipo de filme antes de assistir. Boa parte da experiência estética está em desconhecer o que lhe será apresentado e trilhar o caminho do conhecimento. Guarde sua curiosidade e pratique a Ascese.

Se você está interessado em saber se vale a pena assistir ao filme, se você vai gostar, eu te respondo: Mesmo quem não gostou dos outros filmes do diretor tem chances de gostar desse, pois apesar de ser pesado, é razoavelmente palatável em termos de narrativa. Mas não é uma comédia romântica de fim de semana, ou mesmo um drama leve de chorar pelo cachorrinho que morreu.

Depois não digam que eu não avisei. O texto abaixo contém diversos spoilers. Minha intenção é discutir o filme com quem já o assistiu, e trocar experiências. Vamos a elas.

Lars Von Trier é um cineasta com fortes definições e ideologias sobre a vida, a arte e o cinema. Em 1995, junto com seu amigo, o também diretor Thomas Vinterberg, fundaram o manifesto Dogma 95. Fazia-se, oficialmente, 100 anos desde a primeira apresentação da tão famosa película dos Irmãos Lumière, da chegada do trem à estação.

Desgostosos com o processo de industrialização (e também de idiotização) do cinema, os cineastas clamavam por uma importância maior para a trama e menor para a estética e para falsos temas - como violência, perseguições, etc. Para mais informações, vide Dogma 95.

Como todo movimento cinematográfico que surge como contestação, o Dogma 95 estava fadado a morrer. Mas seu modus operandi deixou cicatrizes profundas nos dois cineastas. Seus temas preferidos seriam sempre o humano e suas angustias. Afinal, eles são dinamarqueses.

Seus filmes são fortes. O primeiro filme de Von Trier já fora do Dogma 95 foi Dançando no Escuro, um sombrio musical que mostra o embate de uma sociedade contra uma mãe desesperada para salvar seu filho da cegueira. Três anos depois, numa feroz crítica à sociedade americana, ele nos presenteia com Dogville, outra incursão às vilanias e perversões do relacionamento humano (este filme considero como um dos dez melhores já feitos na história do cinema). Dogville é seguido pelo (tão crítico quanto) Manderlay. Incrivelmente, após tanta acidez, o diretor mascara suas críticas em uma comédia (O Grande Chefe). Temos então Anticristo, outro filme bastante pesado, pessimista, cheio de alegorias e metáforas, e finalmente, Melancolia.

Com exceção de O Grande Chefe, todos os filmes terminam em derrota. No fim, a humanidade demonstra que não há salvação, que a sociedade que construímos está fadada ao fracasso; não somos capazes de olhar o outro como a nós mesmos. O fim está próximo.

Não é de se espantar então que Melancolia trate justamente do fim do mundo. Para o mal da humanidade se extinguir, é necessário que o mundo acabe. Não sou eu quem diz isso, é a personagem principal, Justine. E essa idéia está mais que sustentada pelos outros filmes do diretor.

Mas antes de entrar na análise da trama, das atuações, etc, eu gostaria de falar de uma parte importante do filme, mas que não condiz em nada com a realidade, que é a questão da física. Só por uma questão de partir do menos importante para depois podermos nos deleitar com o que realmente importa.

Primeiro, digamos que a premissa de um planeta viajando pelo espaço sem mais nem menos é em si meio furada. Não é impossível, só é meio furada. A Terra possui dois planetas próximos de si que impedem que ela seja dizimada por corpos celestes perdidos. Júpiter e Saturno, com sua massa imensa, servem como ímãs para corpos celestes que vêm de fora do sistema solar. De acordo com as imagens do filme, o planeta Melancholia é umas 12 vezes maior que a terra - isso quer dizer que ele seria MAIS atraído pelos dois planetas do que meros cometas, porque se vocês ainda lembram das aulas de física, a atração entre dois corpos é proporcional à soma das massas. Quanto mais massa, maior atração. Sem contar que ele passa por Vênus e por Marte - ambos muito mais próximos do Sol que a Terra, o que significaria que o planeta seria atraído por nossa estrela, e provavelmente seria engolido por ela.

Segundo, o planeta viaja rápido demais. Dificilmente um planeta alcançaria tamanha velocidade. Pra impulsionar um planeta daquele jeito, ele teria que estar perto de corpos celestes brutais, ou ter passado por uma mega ultra explosão cósmica (da qual ele não sobreviveria). Cometas não são tão rápidos.

Terceiro, e pior de todas. Nas projeções cataclísmicas que aparecem na internet, durante o filme, o planeta, que é MAIOR que a Terra, tem sua rota alterada pelo nosso planeta, dá um giro na Terra, se afasta, volta, e colide. NÃO. Não pode. Se ele está tão rápido, e tem a massa tão grande, não pode sofrer toda essa modificação na sua rota por causa da Terra - sem contar que a rota da Terra sequer piscou. O que deveria ter acontecido é a rota da Terra ter sido alterada também. O mais provável, se as condições de aproximação fossem verdadeiras, é que Melancolia passasse sem colisões, mas alterasse a rota da Terra, fazendo com que OU nos aproximássemos do Sol muito rapidamente, OU nos afastássemos dele muito rapidamente. De qualquer forma, estaríamos mortos em pouco tempo.

Quarta consideração. Imaginemos que aconteceu tudo aquilo, que Melancolia se aproximou, se afastou e voltou a se aproximar, e que colidiu com a Terra. O planeta é TÃO GRANDE que muito antes da colisão, o mundo já teria acabado. Pensem que a Lua, nosso querido satélite natural, que tem 1.700 km de raio (a Terra tem 6.300 km de raio), 0.0123 da massa da Terra, 0.020 do volume da Terra, e que fica a uma distância média de 380 mil km de nós é responsável pelas MARÉS aqui. Ou seja, esse corpo celeste quase insignificante é responsável por mudanças drásticas no nosso planeta. Imaginem o que a interação gravitacional Terra-Melancolia não causaria? Não seria apenas a fuga da atmosfera, como demonstrado no filme, mas o planeta se quebraria ante à força gravitacional da interação. Antes disso, terremotos, maremotos, águas flutuantes, etc, etc. Apesar da cena final (e inicial) serem muito bonitas, a realidade seria outra.

Quinta e última: Os cientistas ERRARAM os cálculos? Sério? O pessoal que manda satélites pra Plutão via aceleração com impulso gravitacional em outros corpos celestes por falta de combustível errou a trajetória do planeta e sua interação com a gravidade dos outros corpos do sistema solar? OU eu encaro isso como a mão de Deus, OU que Von Trier não tem o menor respeito pela ciência e pelos cientistas. Vou ficar com a segunda opção.

Dito isto, vamos ao que interessa.


TRAMA (e considerações)

O filme é interessantemente dividido em duas partes. São quase dois filmes distintos. No primeiro, temos praticamente uma adaptação do filme Festa de Família, de Thomas Vinterberg (Festen, 1998). Numa festa de família, os podres vão sendo colocados para fora, e as fragilidades de sua estrutura interna não apenas aparecem, como todo um contrato social é quebrado, criando então novas relações entre os envolvidos, alterando completamente seus relacionamentos. Se no filme anterior temos uma festa de aniversário do pai da família, a festa de casamento torna-se talvez mais apropriada como prelúdio para o estranhamento que virá na segunda parte do filme.

No casamento, somos apresentados à família de Justine, a noiva, e a seu círculo social mais próximo: sua mãe totalmente cética e desapegada aos ritos sociais que prefere ser grosseira do que participar de coisas que não acredita; seu pai mulherengo e mentiroso, que está mais preocupado em usar as pessoas e se divertir com elas do que interagir socialmente (chamando a filha de Betty, inclusive); sua irmã controladora e o marido repressor, porém provedor; seu chefe onipresente, que pressiona e que nem mesmo durante o seu casamento lhe permite folga, criando inclusive uma situação de complexidade moral para ela; seu noivo, que apesar de aparentemente a amar, não parece ser uma pessoa profunda (vide seu discurso). Desde a chegada do casal ao castelo, tudo o que presenciamos são situações desagradáveis, tensas, que ao menos em nossas cabeças "poderiam ter sido evitadas". Lars Von Trier vai sugando a energia do espectador, lentamente, com situações irritantes, desagradáveis, até mesmo surreais, mas verossímeis. Além de conseguir afetar quase todo e qualquer espectador por nos vermos refletidos, de alguma forma, em alguma das situações, temos também a angústia de assistirmos situações que, sem grandes dificuldades, com apenas um pouco de doação de cada personagem, seriam evitáveis. Mas não é assim. A vida não é. Se para Von Trier, a vida e os homens são cheios de idiossincrasias, mesquinharia, rudeza; se somos autocentrados, egoístas, medrosos, assim serão as personagens, pois ele fala de nós, para nós.

Se um casamento simboliza não apenas um recomeço, mas esperança e mudança, este casamento demonstra que não há recomeços, que no fundo não há mudanças reais, que as coisas sempre terminam mal. É um aviso. Na verdade, é um lembrete, pois o cineasta faz questão de nos avisar, na primeira cena, que o fim é inevitável, está próximo, e fede.

A novidade/festividade do casamento é anulada pelo contato com a realidade. Justine não apenas não quer casar, mas ela não pode. Ela não tem condições emocionais para manter este tipo de relacionamento. Sua família, claro, não ajuda a situação, que na verdade já estava colocada, mas escondida sob o tapete. Justine, como um bom ser humano, entra em depressão profunda logo depois.

Não adianta aqui esmiuçarmos a primeira parte do filme. Ela serve como uma apresentação das personagens, da situação emocional e social que elas vivem, e em especial, do clima em que se encontrarão quando se depararem com o fim de tudo. Apropriadamente, a primeira parte do filme se denomina Justine.

A segunda parte trata da depressão de Justine e da chegada de Melancolia, e se chama Claire. Sem mais opções, Claire traz para perto de si a irmã, para que possa tomar conta dela. A primeira cena desta parte é de uma ironia imensa, já que Justine será a responsável por tomar conta de Claire em seu desespero frente ao fim.

Se a primeira parte se chama Justine, e vemos a personagem título partir da razão à depressão, na segunda parte vemos o mesmo caminho. Claire parte da estabilidade emocional - inclusive se prontificando para cuidar da irmã depressiva - para o total desespero ante a morte - sua, de seu filho, de seu marido, e do mundo.

É interessante notar que o desespero específico de Claire representa o que esperamos que seja o desespero do mundo em geral. Claire é a pessoa comum: confiante em si, mas temerosa do desconhecido, que segue as normas sociais, mas gostaria de ter forças para fugir disso, que crê em Deus mas teme a morte (eu NUNCA vou entender porque as pessoas que acreditam em Deus temem a morte, mas enfim), que ama seu filho e seu marido, que foge dos problemas quando pode, e que enfrenta quando não tem jeito. Tanto que, temendo o fim, comprou remédios para um suicídio coletivo.

John representa não só a arrogancia da ciência, mas também do homem, do masculino. Ele também é a humanidade. Na segunda parte do filme, ele tem o papel do Chefe de Justine - o Homem, forte, irrepreensível, que vê seu poder desmoronar, e ao mesmo tempo o papel do noivo de Justine, que vê sua linda ilusão se esvair. Gradativamente, ele muda de confiante cientista para desesperado tolo, e acaba por se matar sem nem ao menos cuidar de sua família.

Se na primeira parte do filme, não sabemos o desfecho, nesse caso, sabemos. E nos resta apenas esperar. Assim como Justine, depois que se recupera. Não há nada que se possa fazer. Não há como fugir, não tem nave espacial com super bomba atômica pra explodir a ameaça, não tem super heróis pra mudar a órbita, não tem Deus pra nos tirar dessa. Essa angústia, do fim certo, em escala global, só aumenta nossa solidariedade com Claire. Compartilhamos com ela esse desespero ante à morte. Na verdade, se fôssemos um pouco mais ocupados com isso, estaríamos constantemente nos sentindo assim - afinal, nós VAMOS MESMO morrer. E nem sabemos quando.

Mas encarar a morte inevitável e próxima é diferente. O dia a dia nos permite ofuscar sua presença, os pequenos prazeres e pequenas angústias insignificantes tomam nossa mente, e nos permitem viver. Não é à toa que esse filme é de um dinamarquês, afinal, um pedreiro baiano não tem tempo de ficar tendo esse tipo de angustia. Ele tem é que ganhar dinheiro pra alimentar o filho e pra tomar a cerveja dele no fim de semana.

O diretor usa também de alguns subterfúgios da trama para nos deixar MAIS melancólicos. Se Justine "sabe coisas" e sabe que nós somos a única porção de vida no universo, e se nós vamos morrer, quer dizer que, definitivamente, com todas as letras, não há esperança. Acabou. Adeus vida. Adeus qualquer coisa parecida com a humanidade. E isso, para o ser humano comum, é aterrador (pra mim seria algo como sentir aquele alívio causado por um arroto). Você, seus filhos, seus parentes, seus amigos, todas as obras de arte, todos os gatinhos fofinhos, cachorros brincalhões, macacos travessos, cervos saltitantes, leões ferozes, aranhas asquerosas, tudo, tudo, tudo vai acabar. Pra sempre. É meio triste mesmo.

O interessante é que o filme nos envolve nessa angústia que é como um campo. Um campo de angústia, que cresce devagar, e é para isso que existe a primeira parte do filme. Quando eu saí da sala, fiquei com a impressão que a primeira parte do filme é absolutamente desnecessária. E talvez seja mesmo. Mas a primeira parte constrói no espectador uma tristeza e desânimo necessários para a segunda parte do filme. É preciso estar triste, na segunda parte, para entrar mais profundamente na tristeza da perda eterna e total.

Como você reagiria ante o fim do mundo? O filme não te deixa responder essa pergunta. Não te deixa nem se fazer essa pergunta. Porque não te dá tempo. Não te dá espaço. Claire não te deixa respirar, Justine te angustia, John te enerva, e Leo é ao mesmo tempo o escape da angústia e a fonte de maior angústia. Tão inocente, feliz, e sem chance de florescer, amadurecer. O grande injustiçado, mais do que sua mãe, que se culpa de não poder fazer nada por ele.

E no fim? No fim não há respostas, não há salvação, não há solução. Só o silêncio. Se o silêncio foi a primeira coisa que existiu, será também a última.

TÉCNICA (e considerações)

A direção de arte é fantástica e impecável. É tudo o que eu vou falar sobre ela.

A direção de fotografia se divide em duas partes: a relação entre a luz, os objetos e a película; os movimentos de câmera.

Apesar de em alguns momentos a fotografia ter uma aura espectral, eu vou dizer que ela é quase perfeita. Me incomodam um pouco alguns momentos de grande escuridão, mas talvez isso se deva ao fato de eu trabalhar com cinema - e com certeza são resquícios do Dogma 95.

Mas os movimentos de câmera me incomodam muito. A câmera na mão, tremida, o tempo inteiro, cansa. E cria um contraste MUITO grande com as cenas aéreas das cavalgadas. Ok, isso é proposital, esse afastamento do quotidiano para uma situação sublime, fora da realidade, salvadora até. Mas o tempo todo com a câmera na mão me incomoda, me tirou do filme algumas vezes. Achei desnecessário e contraproducente.

As atuações, realistas, para mim estão fantásticas. Mesmo a ex-Mrs. Peter Parker. E o papel dela é bem complicado, pois não é SÓ maluca durante todo o filme, mas oscila entre a felicidade, a loucura, a depressão, a calma, a serenidade, a raiva, o medo, a tristeza, a solidariedade... É complexo. Fiquei muto feliz em ver Kiefer Sutherland. Eu gosto muito do trabalho dele, mas ele faz muita porcaria. Bom vê-lo num filme bom. Interessante ver Charlotte Gainsbourg de novo dirigida por ele. Deve ser masoquista, a garota. O garoto também está bem, e o trabalho deles apenas mostra como atores são importantes para a completa realização de um filme.

A banda sonora se divide em três partes: diálogos, efeitos, trilha. A captação dos diálogos, e sua colocação no filme, está perfeita. No comments. Os efeitos sonoros fazem MUITA diferença nesse filme. O barulho do espaço (que deveria ser inexistente), o barulho da aproximação do planeta, os pequenos distúrbios, eles somam e muito ao filme. Tanto na primeira parte do filme, com seu realismo, quanto na segunda parte, como suposto realismo relativo ao planeta. Já a trilha sonora, apesar de eu ter adorado as músicas, me incomodei com o volume, principalmente da música clássica que acompanha os momentos de tensão. Muito alto, me incomodou, me tirou do filme. Não me incomodou no sentido de somar (em termos sensoriais) com o visual, me incomodou no sentido de me fazer sair da diegese. Poderia ser um pouco menos alto. Mas a trilha é muito bem escolhida, e muito bem encaixada. Tensa na medida certa, com o ritmo conveniente, acompanhando as cenas.

Os efeitos especiais são bonitos. O planeta está bem interessante, de um azul pálido frio, distante, melancólico. O planeta, também coberto de nuvens, é como se fosse nós mesmos nos punindo. Em especial, o cartaz acima, e a cena de abertura, tem efeitos lindos.

No fim, eu gostei bastante do filme. Apesar de algumas coisas terem me incomodado, fiquei muito tocado por ele. Eu e Von Trier compartilhamos de um ponto de vista muito parecido com relação ao mundo, só que ele é muito mais poeta e mais inteligente. E mais deprimido, também. E mais rico.

Mesmo assim, ainda está bem atrás de Dogville, atrás de Dançando no Escuro, empatando com Anticristo. Ou seja, está bem.

Últimas considerações

Para os RPGistas de plantão: o prenúncio do fim é a visualização da Estrela Vermelha no céu, depois seu desaparecimento (Antares). O Apocalipse está chegando.

Como Justine "sabe das coisas"? Conexão com Deus? Conexão com o cosmos? Será esse filme uma tentativa de Von Trier de se reaproximar do além, do metafísico? Será Melancolia uma punição divina? Por que Justine é especial? Eu não tenho respostas para essas perguntas.

Esse tema (fim do mundo), apesar de muito batido, é também muito interessante porque simplesmente não temos como saber como reagiremos até o momento do inevitável. E, de uma forma ou de outra, repensamos o caminho que podemos trilhar para o fim inevitável. Ou, em outras palavras, não leve a vida muto a sério, porque você não vai sair vivo dela. Eu não levo.

Renato Cordeiro também escreveu um texto sobre o filme, neste mesmo blog, que pode ser lido AQUI.

Nota: 8,5 (de dez)










segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Planeta dos Macacos - A Origem


O Planeta dos Macacos - A Origem (Rise of the Planet of the Apes, EUA, 2011) Direção de Rupert Wyatt. Com Andy Serkis, James Franco, Freida Pinto, John Lithgow, David Oyelowo, Brian Cox, Tom Felton, Tyler Labine, David Hewlett, Sonja Bennett , Jamie Harris, Leah Gibson.


Renato Cordeiro

De modo geral, as publicações voltadas ao cinema elogiam há tempos a performance do ator Andy Serkis que, munido de admirável expressão corporal, deu vida a personagens criados através da técnica de captura de movimento, a exemplo de Gollum, da saga O Senhor dos Anéis. Mas, curiosamente, o trabalho do intérprete ainda é visto como algo menor, e poucas fichas técnicas divulgadas em publicações voltadas ao cinema vão citá-lo entre os primeiros nomes do elenco. Na verdade, este é o lugar que ele merece, ao menos, em O Planeta dos Macacos - A Origem. Na pele e pêlos de César, Serkis, amparado por ótimos efeitos especiais, consegue transmitir toda a crescente frustração que toma conta do futuro líder da rebelião de símios.

Vários exemplares da ficção científica tomaram o princípio do homem como inimigo como elemento central da narrativa, sendo Avatar e Distrito 9 exemplos contemporâneos. É bem verdade que este prequel do filme estrelado por Charlton Heston em 1968 também mostra o ser humano como vítima da própria ganância. O longametragem acompanha a busca de Will Rodman por uma cura para o Alzheimer, doença que se apodera do pai do cientista. Mas apesar do drama do personagem vivido por James Franco, o foco da trama são mesmo os desdobramentos das experiências no símio César, que tem inteligência espantosa e a utiliza para se rebelar contra a sociedade que o oprime. A crueldade do ser humano acabará levando-o a executar um audacioso plano para viver em paz entre os iguais.

Spoilers à parte, O Planeta dos Macacos - A Origem conta com algo que pouco se vê nos filmes contemporâneos: um bom clímax. A batalha entre humanos e símios na ponte Golden Gate de San Francisco mantém a atenção do espectador graças a uma feliz combinação de fatores. A direção e edição se articulam de forma econômica, lidando com a ação que se passa embaixo e em cima da construção, além do que ocorre dentro de um helicóptero. Como é de se esperar de produções abastadas, os efeitos especiais são de primeira linha, com destaque para a técnica de captura de movimento executada de forma meticulosa, com cada tipo de animal correndo de um modo específico. Por fim, o carisma de César faz o público torcer pelo protagonista e a vilania humana, que lhe cai como uma luva, leva o espectador a torcer contra os seus pares. Sem momentos brilhantes e contando com um roteiro que é apenas correto, o longa não chega a ser uma obraprima, mas diverte e sinaliza um bom recomeço para a franquia.

Nota: 7,0 (de dez)










domingo, 28 de agosto de 2011

Títulos Baianos

Não é piada nova na net, mas para o caso de alguém que gosta de estereótipos não ter sido informado sobre isso aqui... confira como ficariam alguns títulos brasileiros de filmes diversos, se o tradutor fosse baiano:

Uma Linda Mulher – Piriguete Bunita Cuma Zorra.

Quem Vai Ficar Com Mary? – Quem Vai Lascá Maria Em Banda?

Riquinho – Barãozinho

Velocidade Máxima – O Buzú virado na disgraça

Os Bons Companheiros – Os Corrente

O Paizão – O Grande Painho

A Morte Pede Carona – A Misera Quer Pongar

Ghost – O Encosto

O Poderoso Chefão 1 – ACM

O Poderoso Chefão 2 – ACM Júnior

O Poderoso Chefão 3 – ACM Neto

O Exorcista – O Lá Ele

Táxi Driver – O Taquiceiro

Corra Que A Policia Vem Aí – Se Pique Que Os Home Tão Desceno

O Senhor dos Anéis – O Coroa Dos Balangandans

Janela Indiscreta – Vizinho Na Cocó

Velozes e Furiosos – Retados e Virados No Istopô

Esqueceram de Mim – Me Crocodilaram

Forrest Gump – O Culhudeiro

Clube da Luta – Os Cumedor de Pilha

O Cavaleiro das Trevas – O Jagunço do Breu

Silêncio dos Inocentes – O Morta-Fome

Cidade de Deus – Bairro da Paz

Mamma Mia! – O Paí Ó

Sociedade dos Poetas Mortos – É O Tchan Cumeno no Centro










Pôsteres de um outro tempo


Imagine se Os Caça-Fantasmas fosse feito ainda nos tempos dos filmes de horror da Hammer? O cartaz acima, criado por Sean Hartter, aponta um fictício encontro entre monstros sagrados da companhia. O artista foi bem além e criou 80 cartazes de longas nunca realizados, a maior parte obras do universo pop, como Star Wars, Batman e congêneres. Confira mais aqui.










Balibó


Balibó (Balibo, Austrália, 2009) Direção de Robert Connolly. Com Anthony LaPaglia, Oscar Isaac, Damon Gameau, Gyton Grantley, Mark Leonard Winter.


Renato Cordeiro

Em 1975, cinco correspondentes de guerra aceitaram o risco de cobrir a sangrenta invasão do Timor Leste pela Indonésia. Mais de 30 anos depois, a busca de um jornalista pelo paradeiro dos chamados "5 de Balibó" chegou às telonas em um filme que, apesar de convencional, é cheio de tensão e utiliza bem alguns elementos consagrados dos thrillers políticos.

Balibó costura duas tramas paralelas. Em uma delas, o longametragem reconstrói os passos da equipe de jovens profissionais empenhada em registrar a invasão iminente das tropas de Jacarta. A fotografia levemente granulada permeia a maior parte das cenas que mostram um misto de entusiasmo e temor que toma conta do grupo. Já a trama principal acompanha a perigosa investigação conduzida pelo repórter freelance Roger East, interpretado pelo ótimo Anthony LaPlagia.

East chega ao Timor Leste acompanhado de José Ramos-Horta, que na época era um guerrilheiro da Fretilin, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente. A idéia de Horta era criar uma agência de notícias responsável por divulgar ao mundo as atrocidades que estavam por vir, mas o repórter australiano logo deixou claro que o objetivo principal que o conduzia era encontrar os colegas desaparecidos.

À medida em que o espectador acompanha os passos dos 5 de Balibó, o filme retorna à busca de East, que se dá nos mesmos lugares por onde passaram. Com isso, quanto mais os jornalistas se aproximam do perigo, maior a apreensão do público quanto ao que o destino reserva ao veterano que se empenha em procurá-los. O roteiro parte do princípio de que o espectador, assim como a maioria das pessoas, não conhece o destino das pessoas retratadas na trama e, com isso, vai ter de se contentar em esperar que a história se desenvolva. Poderá roer as unhas no processo.

Nota: 7,0 (de dez)










sábado, 27 de agosto de 2011

Viagens Alucinantes


Viagens Alucinantes
(Altered States, EUA, 1980) Direção de Ken Russell. Com William Hurt, Blair Brown, Bob Balaban, Charles Haid, Thaao Penghlis.


Renato Cordeiro

A jornada do cientista Eddie Jessup para compreender as possibilidades transformadoras de outros estados da consciência ocorre bem ao modo do cineasta Ken Russell. Surrealismo e obsessão dão o tom da trama que pode ser resumida por um diálogo entre o personagem e a esposa. "Você é um faustiano. Daria sua alma pela verdade absoluta. Mas não existem verdades absolutas, Jessup", sentenciam ela e o livro de Paddy Chayefsky, no qual o longametragem foi baseado. É claro, o sujeito há de aprender isso da pior forma.

Viagens Alucinantes tem uma abertura ótima, apresentando um tanque de isolamento no qual o pesquisador vivido por Willian Hurt se submete a um procedimento de transe. O close no rosto do ator se confunde com as palavras que formam o próprio título do longametragem e, de uma forma simples e eficiente, deixa o espectador imerso no clima onírico que marca algumas passagens da obra. Aos poucos, os resultados da experiência vão aparecendo no próprio corpo de Jessup, que desenvolve afasia e mutações físicas, regredindo a estados mais primitivos.

A pseudociência do filme pode desagradar quem defende que o termo sci-fi deve ter uso restrito a uma retratação plausível dos avanços do conhecimento humano. São várias as cenas que desafiam a compreensão do público e que não parecem ter sentido algum que não a oferta de belas sequências de psicodelia. No fim das contas, isso importa menos do que o drama que se passa diante das telas. Na pele de Jessup, William Hurt entrega uma interpretação irretocável que dá conta da obstinação científica e da crescente reclusão que o isola da dedicada esposa Emily, vivida por Blair Brown.

A busca do cientista é motivada pelo profundo desprezo que apresenta em relação aos ritos e tradições da sociedade onde está inscrito. Nesse ponto, percebe-se uma posição curiosa do longa de Ken Russell. A tragédia que aguarda Jessup mais parece uma punição pela ousadia de questionar as convenções e o lugar no mundo. A maneira pouco convincente como o protagonista reage às consequências da própria jornada sinaliza que o conformismo compensa.

Nota: 6,0 (de dez)










sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Splice - A Nova Espécie


Splice - A Nova Espécie (Splice, Canadá/França/EUA, 2009) Direção de Vincenzo Natali. Com Sarah Polley, Adrien Brody, Delphine Chanéac, Brandon McGibbon, Simona Maicanescu, David Hewlett, Abigail Chu, Jonathan Payne.


Renato Cordeiro

Splice segue rigorosamente a cartilha science-fiction, que desde romances como Frankenstein aponta uma estrada que vai da ciência à perdição. Um casal de pesquisadores busca desenvolver uma nova espécie capaz de sintetizar uma substância com aplicações medicinais. Quando finalmente conseguem dar vida a uma criatura com parte de DNA humano, os problemas começam a fazer fila. A premissa não é inovadora, mas rende bons momentos ao longametragem.

O diretor Vincenzo Natali, o mesmo de O Cubo, cria uma atmosfera envolvente na primeira meia hora do filme, explorando bem o trabalho e as parafernálias tecnológicas dos profissionais. O par central, vivido por dois dos nomes mais interessantes da própria geração, está bem caracterizado em uma mecânica que tem algo de Gênese, da Bíblia. Sara Polley faz Elsa Kast, uma cientista ambiciosa que consegue influenciar o namorado, interpretado por Adrien Brody, a comer do fruto proibido. Em vez de morder a maçã, eles criam Dren, uma criatura por quem passam a se afeiçoar.

Assim como ocorre no clássico vitoriano de Mary Shelley, o filme também aborda o despreparo do ser humano em lidar com as consequências dos atos cometidos. A criatura é ressignificada, passa a ser a expressão das frustrações e incompletudes do casal. Mas lamentavelmente, o longametragem perde força à medida em que o drama sci-fi dá lugar ao suspense. É um caminho natural em obras do gênero, mas que em Splice ocorre de forma convencional e sem empolgar tanto.

Nota: 6,0 (de dez)











quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Melancolia


Melancolia (Melancholia, Alemanha/Dinamarca/França/Suécia, 2011) Direção de Lars Von Trier. Com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Alexander Skarsgård, Charlotte Rampling, John Hurt, Stellan Skarsgård, Brady Corbet, Udo Kier, Cameron Spurr.


Renato Cordeiro

A fragilidade das convenções sociais e a inescapável solidão existencial estão no cerne de Melancolia, obra na qual o diretor Lars Von Trier utiliza dois atos distintos para dissecar as irmãs Justine e Claire, interpretadas por Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg. A primeira é a expressão do sentimento que dá nome ao filme, enquanto a segunda busca manter nos ritos da vida moderna o refúgio para o mundo feio e sem sentido tantas vezes denunciado pelo cineasta.

Na primeira parte do longametragem, o espectador acompanha a festa de casamento de Justine e Michael, que ocorre na mansão do cunhado, uma luxuosa propriedade com ar medieval. Tudo vai bem até que discursos nada tradicionais fazem cair por terra as aparências que recaem sobre a família da noiva. Claire sabe o que vem pela frente e exige que a irmã não deixe transparecer a tristeza que aos poucos vai tomando conta. A ditadura da felicidade se impõe sobre a garota, que terá de permaner sorrindo, dançando e desfrutando da companhia das pessoas ao seu redor.
O primeiro ato, mais rico em interações, é levemente superior, até pela qualidade do elenco de apoio.

O segmento seguinte leva o nome da irmã da noiva. A esta altura, ganha destaque a colisão entre a Terra e o planeta chamado Melancolia, um recurso para que as duas protagonistas, submetidas à mesma expectativa, mostrem a diversidade das reações frente a um fim iminente e compartilhado. Justine, talvez por não ter nada a perder, não se desespera frente à catástrofe que se avizinha. Claire, tão acostumada a estar no controle sobre tudo, entra em crise e tenta encontrar algum conforto em hábitos rotineiros e outros rituais que ainda pode criar.

Dunst, na primeira parceria com o diretor, e Gainsbourg, repetindo a colaboração iniciada em Anticristo, potencializam ainda mais o excelente trabalho do cineasta Lars Von Trier, cujas câmeras intravenosas fazem o espectador experimentar a tristeza e exaustão de Justine, além do pavor e resignação de Claire. A crítica chegou a apontar que o dinamarquês faz em Melancolia seu trabalho mais otimista. No fim das contas, ainda que seja menos perturbador que trabalhos como Dogville e Dançando No Escuro, o longametragem mantém a postura de que a verdade libertará. Von Trier se representa em Justine para dizer que estamos sós e sós morreremos. O que não impede que a solidão seja compartilhada com aquela que habita em outras pessoas.

Nota: 7,0 (de dez)



Bee

(Este texto fala muito sobre a história do filme, sendo desaconselhado para os que não querem ler nada sobre ela).

Melancolia foi um dos melhores filmes que assisti nos últimos meses. É fácil dizer isso considerando-se que eu quase não tenho visto filme algum, e que entre estes raros, está o bobo Thor. Mas tenho certeza de que mesmo que tivesse assistido muitas coisas boas, este novo filme de Lars Von Trier provavelmente continuaria sendo um dos melhores filmes que assisti nos últimos meses.

Aliás, Anticristo, seu filme anterior, também está incluído no pacote de melhores produções assistidas recentemente – me atrasei um pouco. Talvez por isso as comparações entre eles estivessem bem vivas em minha mente durante a projeção. Melancolia está no rastro de seu predecessor como uma obra gêmea em muitos aspectos: o formato em prelúdio e atos, sendo o prelúdio no primeiro um prólogo da história a ser contada, e o segundo uma colagem simbólica dos principais aspectos a serem trabalhados posteriormente. Em ambos são as mulheres que vivenciam dois dos aspectos mais sombrios da natureza humana, de forma polarizada: sua ausência total e a intensidade completa, contida ou não.

Nas duas obras são elas quem sofrem mais fortemente, enlouquecem, ardem, saem de controle. Isso me deu até a sensação de uma certa misoginia da parte de Lars, que foi esquecida porém com o desenrolar da história de Melancolia. E há o mergulho na alma humana, em suas rupturas, em seus desvarios. E nas duas a depressão é um dos focos principais.

De uma forma geral, a estética do filme é implacável, como nos trabalhos anteriores de Lars, misturando uma beleza fria e singela com imagens perturbadoras, sempre se utilizando muito do jogo entre luz e sombras, do simbólico, do subtexto visual. A trilha sonora, que me pareceu perfeita em Anticristo, retorna um pouco exagerada, não no repertório, mas no volume. Fiquei achando em algumas passagens que o som do cinema estava com defeito e desregulado, mas parece que isso foi proposital, talvez para adicionar um desconforto a mais em quem estava com os olhos na tela.

A melancolia é tratada no filme em dois atos, inicialmente em estrito senso, e no segundo de forma metafórica. No primeiro ato, acompanhamos o casamento de uma das protagonistas, Justine, uma moça linda, loura e radiante como um raio de sol, inteligente, com uma carreira em ascenção, dinheiro e um noivo apaixonado. Ela tinha tudo o que uma pessoa precisava para ser feliz, certo? Errado. Mas Lars foi inteligente em demonstrar que Justine não é apenas deprimida por uma patologia psiquiátrica – melancólica por uma depressão major, ou sem motivo aparente. Sua depressão parece ser reativa ao que ela enxerga por trás de seu núcleo social – uma família disfuncional, um chefe sem escrúpulos, um noivo comum – e que vai aos poucos corroendo sua vontade de viver. Talvez seja preciso ter vivenciado os sentimentos de Justine – como o próprio Von Trier – para entender o quão real é o retrato que ele nos apresenta. Neste aspecto o filme me mobilizou imensamente.

Já no segundo ato, Melancholia, o planeta escondido atrás do sol, e que em sua trajetória prevista pelos cientistas pode ou não se chocar com a Terra, é uma metáfora utilizada de várias formas para nos mostrar o quão frágeis nós somos e o que é que importa no final das contas quando nada mais tem importância. Ele é um fator de desestabilização do mundo de Claire, a irmã de Justine, que é seu extremo em vários aspectos, inclusive fisicamente – esse artifício me impressionou muito, a construção da polaridade entre as personagens. Se Justine é um beija-flor vívido, brilhante e exuberante por fora, Claire é um pequeno corvo, miúdo, moreno, com traços simplórios. Não se poderia adivinhar um parentesco entre as duas irmãs. Claire é o oposto emocional de Justine: organizada, controladora, porém extremamente ansiosa. Se a depressão é a ausência de afeto, vontade e sentimentos, a ansiedade é de certa forma o polo oposto – a exacerbação dos mesmos a um ponto disfuncional.

Melancolia é um filme que impressiona em muitos aspectos, desde a construção do roteiro até a condução do elenco, composto de um quebra-cabeças de atores muito ou nada conhecidos, e de todos eles Lars extrai o melhor: um personagem crível e mergulhado em sua persona. Mas o ponto alto é a construção de Justine, que caminha velozmente a um ponto de quase catatonia, para depois ressurgir com uma lucidez assombrosa, perante a luz do planeta azul que está vindo em nossa direção trazendo a possibilidade do fim. Melancolia nos envolve, nos hipnotiza e nos devora, até nos devolver ao acender das luzes um pouco ou muito modificados. Não é à toa que a arte talvez possa nos salvar, no final das contas.

Para assistir: 1 - de peito aberto para um Von Trier 2 - Num cinema sem mangue 3 - De preferência sem saber nada do filme.








quarta-feira, 24 de agosto de 2011

As Coisas Mudam


As Coisas Mudam (Things Change, EUA, 1988) Direção de David Mamet. Com Don Ameche, Joe Mantegna, Robert Prosky, J.J. Johnston, Ricky Jay, Mike Nussbaum, Jack Wallace, Dan Conway, Willo Hausman, William H. Macy, J.T. Walsh, Felicity Huffman.


Renato Cordeiro

Don Ameche e o engraxate ítalo-americano Gino são um exemplo daqueles casamentos felizes entre um ator carismático e um papel à altura. Em boa medida, isso é o que faz de As Coisas Mudam uma experiência tão recompensadora. Mesmo lidando com um personagem de poucas palavras, sobretudo no início do longametragem, o veterano intérprete consegue transmitir perfeitamente toda a complexidade de um idoso pacato, resignado, nostálgico e austero. As mesmas características que tornam Gino o pato que a máfia precisava.

Logo no início do filme, acompanhamos o engraxate receber a proposta de assumir um assassinato cometido por um figurão do crime, sendo que em troca, após cumprir a pena, terá atendido o sonho de possuir um barco para passar o resto da vida na saudosa Sicília. Sem perspectivas, Gino topa o acordo e passa a ser acompanhado pelo peixe pequeno Jerry, vivido por Joe Mantegna, que vê na tarefa a oportunidade de crescer na organização. O sujeito resolve levar o futuro homicida confesso a um luxuoso hotel em Nevada, onde poderá aproveitar os últimos dias de liberdade. O problema é que, logo que chegam ao local, Gino passa a ser confundido com um poderosíssimo chefão, tendo acesso a toda a sorte de regalias e levando Jerry ao desespero.

O roteiro se desenvolve em uma divertida comédia de erros, com vários bajuladores caindo nas armadilhas da comunicação não-verbal e interpretando equivocadamente a presença do idoso misterioso. Mas o ponto forte do filme é mesmo a química entre o velho honrado e o ambicioso cumpridor de ordens, interação que rende momentos engraçados e comoventes. Uma das melhores cenas se dá no cassino do hotel, onde Jerry se surpreende com uma atitude de Gino, que mesmo sem saber da natureza do difícil gesto praticado, o realiza apenas porque lhe foi dito que era algo honrado a fazer.

Além de Ameche e o também ótimo Mantegna, o filme traz William H. Macy e J. T. Walsh em pequenas mas hilárias participações, como a cena da chave a ser escolhida para Gino. Destaque ainda para a garota da roda da fortuna, primeiro papel no cinema da atriz Felicity Huffman, de Transamérica e a série Desperate Housewives. A passagem do cassino é também um bom exemplo da discreta e sóbria direção de David Mamet, que foca as câmeras nos atores, confiando justificadamente na qualidade do material humano à disposição. As Coisas Mudam tem suas falhas e não é exatamente uma comédia para fazer gargalhar a todo momento, mas mantém no espectador um leve e agradável sorriso no canto da boca.

Nota: 7,0 (de dez)










Onde está Wall-E?


Richard Sargent, da Hopeweell Studios, reuniu vários robôs, andróides e ciborgues conhecidos da cultura pop neste pôster. Clique para ampliar. O designer promete dar uma cópia para quem identificar o maior número de personagens. Se você quer saber mais sobre o desafio, que vale até o dia 31 de agosto, clique aqui e procure Geekings Cards Competition.

Com agradecimentos a Camila Mello.










terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um Novato Na Máfia


Um Novato Na Máfia (The Freshman, EUA, 1990) Direção de Andre Bergman. Com Matthew Broderick, Marlon Brando, Bruno Kirby, Penelope Ann Miller, Frank Whaley, Jon Polito, Paul Benedict, Richard Gant, Kenneth Welsh, Pamela Payton-Wright, B.D. Wong, Maximilian Schell, Bert Parks, Tex Konig.


Renato Cordeiro

Quem é saudosista e gosta do monumental O Poderoso Chefão deve dar uma chance a Um Novato Na Máfia. É uma comédia medíocre, pouco engraçada, de roteiro simplório, mas que traz o maior ator da história do cinema revisitando um dos maiores personagens que a sétima arte produziu. O diretor Andrew Bergman penou pra convencer Marlon Brando a participar do filme, e quando ele aceitou, teria demonstrado que dificilmente faria um mafioso diferente daquele que o consagrou na obraprima de Francis Ford Copolla. A solução então foi fazer do longametragem uma paródia, assumindo
Don Vito Corleone como um personagem inspirado em outro gângster, Carmine Sabatini. The Freshman, assim, é filme de uma piada só. Mas a piada é boa.

A trama gira em torno do personagem de Matthew Broderick, não por acaso, um rapaz que acaba de chegar à Nova York, onde vai estudar cinema. Dificuldades financeiras causadas por um trambiqueiro acabam levando o jovem a trabalhar para um misterioso homem conhecido como um "grande importador", o que, obviamente, significa que se trata de um mafioso dos grandes. Imediatamente, ele repara que está diante do próprio Vito Corleone, embora em nenhum momento este nome seja proferido. Um capanga avisa: "Ele é o verdadeiro, o original". Brando cumprimenta Broderick, dá uma coçadinha na orelha, estala a língua, não dá pra ver Carmine Sabatini, apenas Corleone. Pronto. O espectador está fisgado.

Um Novato Na Máfia costura várias referências dos filmes de Copolla. Na universidade, vemos os estudantes assistirem uma cena de O Poderoso Chefão - Parte 2. Em outro momento, Broderick segue Brando, enquanto caminha em uma rua, passando por uma banca de frutas que lembra, imediatamente, uma das cenas mais conhecidas da obra de 1972. Há outras referências à filmografia do veterano ator, como o nome do personagem de Broderick, Clark. No primeiro encontro dos dois, Sabatini o chama de "Kent". Em outra, afirmam que ele vem do Kansas.

O longametragem não oferece muito mais do que nostalgia aos amantes do cinema. A trama é uma bobagem com ares ambientalistas, tendo como pontos baixos quase todas as cenas nas quais Brando não está presente - e são muitas. A direção é convencional, do mesmo cineasta responsável por bombas que vale a pena esquecer. Mas Andrew Bergman conseguiu tirar Marlon Brando
da reclusão e fazê-lo se divertir enquanto matava as saudades do Vito. Isso tem que valer alguma coisa.

A nota abaixo, portanto, é passional.

Nota: 6,0 (de dez)