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O livro aposta no tom anedótico para mostrar uma história de formação, com destaque para os laços de camaradagem que o diretor estabeleceu em juventude, incluindo figuras como o escritor João Ubaldo Ribeiro e o artista plástico Calazans Neto. Os dois, a propósito, são apontados por Nelson Motta como fontes de informação sobre os devaneios revolucionários do jovem Glauber e seus amigos. Um exemplo é a tentativa de pintar uma frase de protesto no casco de uma embarcação na Baía de Todos os Santos, no qual havia uma exposição itinerante de propaganda da Espanha franquista, que o grupo identificava como uma afrontosa representação de uma ditadura fascista e sanguinária. Outra ação malfadada foi a chamada Conspiração das Maçãs, um plano de atentado contra o então governador Juracy Magalhães.
Ao longo de mais de trezentas páginas, o texto transporta o leitor para uma Salvador habitada por uma jovem boemia culta, frequentadora de espaços que marcaram a vida cultural da cidade, a exemplo da casa de shows Tabaris, o Cine Liceu comandado pelo cineclubista Walter da Silveira e a Universidade Federal da Bahia, quando tinha como reitor o visionário Edgar Santos.
A despeito da veracidade ou não das malfadadas iniciativas revolucionárias, o livro possui falhas que foram reconhecidas pelo autor, a exemplo de uma confusão nos nomes de algumas pessoas. Alfinetando os críticos, Motta minimizou o problema e disse que os erros são poucos e se referem ao oitavo escalão dos personagens que conviveram com o biografado, que não fazem diferença para a compreensão do que levou Glauber Rocha a ser Glauber Rocha. E polêmicas à parte, se é que isto é possível, o livro diverte e tem êxito em cumprir a proposta do escritor, que não quis fazer uma biografia definitiva, mas contar um lado menos conhecido e mais solar da vida de Glauber.
O biografado, claro, facilitou a vida do escritor, protagonizando situações que, talvez não por acaso, dariam um filme. Até pelo modo romanceado como é contada a vida do conquistense, é possível visualizar cenas da Salvador de antigamente, as dificuldades para dirigir Barravento e Deus e o Diabo Na Terra do Sol, a disputa em Cannes com o filme do mestre Nelson Pereira dos Santos, Vidas Secas. Motta, à época da Décima Bienal do Livro da Bahia, chegou a dizer que recebeu contatos de diretores interessados em rodar um longa baseado na obra, mas não deu nome aos supostos bois.
Também merece destaque o projeto gráfico assinado por Luiz Stein, que já havia cuidado do design da biografia anterior de Nelson Motta, Vale Tudo, dedicada a Tim Maia. Aqui, o artista de tom marcadamente pop mergulha em tons de vermelho nas imagens apresentadas no livro e até mesmo em algumas páginas que não possuem qualquer foto. A escolha, aliada às fontes grandes e a escrita leve de Motta, evidenciam a busca por um trabalho de fácil leitura, desvendando aspectos pouco explorados de uma dos maiores expoentes do cinema novo.
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