quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Primavera do Dragão - A Juventude de Glauber Rocha

Renato Cordeiro

Se a len
da é melhor do que o fato, imprima-se a lenda. A citação do filme O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford, está na ponta da língua de Nelson Motta, sempre que perguntam a ele se há espaço para a ficção em uma obra biográfica. A questão ganhou espaço na agenda do escritor depois da polêmica, ou como ele classificou, polemiquinha, envolvendo o livro A Primavera do Dragão - A Juventude de Glauber Rocha. Amigos do cineasta baiano reclamaram de passagens do texto que tratam de fatos que, supostamente, nunca ocorreram. Os trechos controversos são, justamente, os mais divertidos da obra que faz um recorte dos primeiros 25 anos da vida de Glauber Rocha, desde a infância em Vitória da Conquista até a consagração de Deus e o Diabo Na Terra do Sol no Festival de Cannes.

O livro aposta no tom anedótico para mostrar uma história de formação, com destaque para os laços de camaradagem que o diretor estabeleceu em juventude, incluindo figuras como o escritor João Ubaldo Ribeiro e o artista plástico Calazans Neto. Os dois, a propósito, são apontados por Nelson Motta como fontes de informação sobre os devaneios revolucionários do jovem Glauber e seus amigos. Um exemplo é a tentativa de pintar uma frase de protesto no casco de uma embarcação na Baía de Todos os Santos, no qual havia uma exposição itinerante de propaganda da Espanha franquista, que o grupo identificava como uma afrontosa representação de uma ditadura fascista e sanguinária. Outra ação malfadada foi a chamada Conspiração das Maçãs, um plano de atentado contra o então governador Juracy Magalhães.

Ao longo de mais de trezentas páginas, o texto transporta o leitor para uma Salvador habitada por uma jovem boemia culta, frequentadora de espaços que marcaram a vida cultural da cidade, a exemplo da casa de shows Tabaris, o Cine Liceu comandado pelo cineclubista Walter da Silveira e a Universidade Federal da Bahia, quando tinha como reitor o visionário Edgar Santos.

A despeito da veracidade ou não das malfadadas iniciativas revolucionárias, o livro possui falhas que foram reconhecidas pelo autor, a exemplo de uma confusão nos nomes de algumas pessoas. Alfinetando os críticos, Motta minimizou o problema e disse que os erros são poucos e se referem ao oitavo escalão dos personagens que conviveram com o biografado, que não fazem diferença para a compreensão do que levou Glauber Rocha a ser Glauber Rocha. E polêmicas à parte, se é que isto é possível, o livro diverte e tem êxito em cumprir a proposta do escritor, que não quis fazer uma biografia definitiva, mas contar um lado menos conhecido e mais solar da vida de Glauber.

O biografado, claro, facilitou a vida do escritor, protagonizando situações que, talvez não por acaso, dariam um filme. Até pelo modo romanceado como é contada a vida do conquistense, é possível visualizar cenas da Salvador de antigamente, as dificuldades para dirigir Barravento e Deus e o Diabo Na Terra do Sol, a disputa em Cannes com o filme do mestre Nelson Pereira dos Santos, Vidas Secas. Motta, à época da Décima Bienal do Livro da Bahia, chegou a dizer que recebeu contatos de diretores interessados em rodar um longa baseado na obra, mas não deu nome aos supostos bois.

Também merece destaque o projeto gráfico assinado por Luiz Stein, que já havia cuidado do design da biografia anterior de Nelson Motta, Vale Tudo, dedicada a Tim Maia. Aqui, o artista de tom marcadamente pop mergulha em tons de vermelho nas imagens apresentadas no livro e até mesmo em algumas páginas que não possuem qualquer foto. A escolha, aliada às fontes grandes e a escrita leve de Motta, evidenciam a busca por um trabalho de fácil leitura, desvendando aspectos pouco explorados de uma dos maiores expoentes do cinema novo.










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