sábado, 7 de agosto de 2010

A Origem


A Origem (Inception, EUA/Reino Unido, 2010). Direção de Christopher Nolan. Com Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy, Ken Watanabe, Marion Cotillard, Dileep Rao, Cillian Murphy, Tom Berenger, Michael Caine, Pete Postlethwaite.

Renato

A Origem é mais uma prova de que o cineasta Christopher Nolan deve ser levado à sério. Depois de Batman - O Cavaleiro das Trevas, ele volta a comandar um longa-metragem de ação com uma complexidade incomum a essse tipo de trabalho, especialmente no que diz respeito ao roteiro. Em boa medida, é uma trama do tipo "filme de ladrões": um homem ousado reúne uma equipe para executar um trabalho audacioso. Mas em vez de pinturas, cassinos ou carros, a mercadoria é a informação na mente da vítima, que fica mais acessível no momento em que o alvo está sonhando.

O plot lembra filmes como Morte Nos Sonhos e A Hora do Pesadelo, mas a comparação não vai muito adiante. A Origem explora de modo mais profundo os aspectos psicológicos da construção de imagens durante o sono, e neste sentido, os efeitos especiais fazem mais do que deixar o espectador impressionado, já que também possibilitam a criação de cenas belíssimas. Um destaque é o momento em que o personagem vivido por Leonardo DiCaprio dá uma aula prática para a arquiteta vivida por Ellen Page, que descobre uma forma inusitada de utilizar espelhos. Outro momento fabuloso é a luta iniciada em um corredor, protagonizada pelo emergente Joseph Gordon-Levitt, de 500 Dias Com Ela.

O elenco, a propósito, é daqueles em que você conta nada menos que dez nomes relevantes, como a sensação francesa Marion Coitllard (de Piaf e Nine), e o sumido Tom Berenger (do clássico Platoon). Ken Watanabe, Cillian Murphy, e Michael Caine, que já colaboraram com Christopher Nolan em filmes anteriores, reforçam o time.

Com tudo isso, o trabalho já estaria ótimo, mas a trama escrita pelo próprio diretor vai mais além, e aborda a natureza das idéias e como são construídas. A questão filosófica é debatida entre os integrantes do grupo de DiCaprio com a seriedade com que tratariam do passo-a-passo para um assalto a banco. Discussões como essa devem se arrastar depois que as luzes do cinema voltarem a acender.



Bee

Não existe nada mais poderoso do que uma idéia. Idéias movem o mundo. Mudam o mundo. Idéias são contagiosas. Uma única idéia pode mudar uma pessoa. E se de repente uma idéia pudesse ser plantada na sua mente e você não pudesse perceber que ela não é realmente sua? E como fazer isso?
No inconsciente, é claro.
E só existe uma entrada para o nosso inconsciente que pode ser acessada.

O sonho.

Em inception, isso é possível.

Eu já estava cansada de ficções científicas parecidas, com o mesmo tipo de desenvolvimento do futuro, as mesmas perseguições, paranóias, designs futurísticos, intolerâncias e estruturas. Então não é exagero dizer que inception foi me cativando quadro a quadro, com esta sua premissa principal simples e genial, não em algum futuro distante, não em uma galáxia inimaginável. Inception é um pouco Fringe - ciência de borda. Não é impossível, ainda não existe - que saibamos - mas é plausível.
O longa de Christopher Nolan (o hoje já renomado diretor de títulos de sucesso, como Amnésia, Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas) é escrito e dirigido por ele. Como uma sinfonia, Nolan tece e vai regendo com precisão e inteligência uma trama complexa, em camadas, de realidades dentro de realidades, até o momento em que nos encontramos perdidos em um labirinto de sonhos. Nossas próprias mentes vão sendo conduzidas, passeando por conceitos, referências mitológicas, suposições, construções. Juntos, somos levados pela mão por Nolan, que nos faz construir teorias como os arquitetos de sonhos de seu universo.

E isso tudo num filme de ação e espionagem. Que inclusive sincroniza com perfeição subtramas paralelas em universos com tempos que transcorrem em diferentes velocidades. Tudo isso ao mesmo tempo. Agora.

Sempre apreciei muito filmes que não insultam minha inteligência a todo o instante, esmigalhando, destroçando a trama em busca de uma saída fácil. Saí de inception me sentindo extremamente respeitada: os elementos estão lá, os conceitos tambem. Alguns detalhes são sutis, outros feitos para nos desorientar. Somando tudo, temos um pequeno quebra-cabeça, onde as peças podem ser encaixadas de mais de uma forma, e o resultado ainda assim soa belo e ambíguo.

Não vou me prender a falar de aspectos técnicos, mas preciso salientar a trilha sonora densa de Hans Zimmer que dá o tom perfeito à trama; a escolha da música 'Non, Je ne regret rien' de Edith Piaf num filme que tem no elenco Marion Cotillard - intérprete da cantora francesa num filme biográfico recente; a edição fantástica e minuciosa de cenas que intercalam os acontecimentos simultâneos em 5 níveis diferentes da realidade.

Por tudo isso, eu aplaudo Christopher Nolan de pé. Ele entrou no meu rol de grandes diretores, e provavelmente agora eu assistirei tudo que ele fizer mesmo que seja ruim.

Para assistir: Concentrado, no cinema, com a atenção a mil e a mente bem aberta.

Frase do filme: Paradoxo.



3 comentários:

  1. Falar de um filme ruim, é fácil. Sobram adjetivos, comparações, puxões de orelha. Falar de um bom filme, é muito difícil. As palavras parecem pequenas. Por isso eu digo que muito do que direi a seguir não passa de pequenez perto do trabalho criado por Nolan neste filme.

    A Origem, mais do que um belo roteiro, mais do que uma cenografia espetacular, é o tipo de longa que, de forma natural, conseguiu desarmar todas as minhas defesas. Entrou no nível mais básico de minhas emoções e desarticulou todas elas pouco a pouco, me abandonando em um estado mental tal que “catarse” seria o mínimo para descrever. Terminado o filme, com a plateia inteira dando um grito com aquele desfecho, eu comecei a chorar. Tinha tido um orgasmo em plena sala 1 do Aeroclube.

    Faz muito tempo que não me sinto assim dentro de um cinema. Se não me falha a memória, Clube da Luta foi o último a me deixar naquela submissão ao que era rodado na tela. Não dá para comparar os dois títulos, é claro. No entanto, é impressionante como, cada um da sua maneira, os dois te fazem voltar a acreditar no poder de uma história, te fazem crer na beleza que uma narrativa pode ter.

    E é incrível também como estes dois filmes são capazes de alimentar discussões. Nesta toada, eu incluiria no debate uma comparação do trabalho de Nolan com Matrix, já vendo neles uma proximidade de temas centrais, embora para mim haja uma grande diferença aí: Matrix, pop, estilizado, apenas toca a superfície das questões da consciência, e de certa forma precisa de uma muleta, a tecnologia, para se colocar de pé; A Origem, pelo contrário, consegue sim, como Renato pontuou, desdobrar a reflexão e de modo brilhante, com o perdão da citação, insere suas ideias no nosso ser, dando a entender que o que se vê em cena, ainda que ficção, é algo intrínseco a nossa condição enquanto pessoa.

    Agora, por favor, não pensem que este meu arrebatamento pelo filme (realmente não palavra melhor para descrever minha sensação) me impede de ver defeitos nele. Há, com certeza. Tanto de texto quanto de interpretação, e até, em determinado ponto, de andamento. Mas é inegável que A Origem é um evento de proporções épicas. Para a minha relação com o cinema, muito mais relevante que um Avatar, por exemplo.

    Hoje, depois de dormir, pensar, ver um monte de lixo na televisão, eu me sinto como um guri dos anos 70 que acabou de sair de uma sessão de Tubarão ou de Guerra nas Estrelas e percebe que se divertiu como há muito tempo não se divertia. E essa é uma sensação muito, muito boa.

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  2. Davi, compartilho de muito dos seus sentimentos, embora com certeza desde clube da luta alguns outros filmes tenham me embevecido desta forma.
    E aí está a beleza na arte. Esta capacidade de nos tocar, nos subverter. Realmente é uma sensação inigualável. :)

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  3. Lamento que as discussões em torno de A Origem pareçam se limitar puramente à busca uma leitura únivoca e indiscutível sobre "o que o filme quer dizer". Sobre este assunto, me parece claro a ocorrência de dois fenômenos: 1) o filme, como tantos outros, é aberto a diferentes leituras; 2) um provável furo de roteiro nos dez minutos finais do longa (quando os personagens têm de recorrer a uma estratégia não-prevista) deixa a trama ainda mais nebulosa.

    Ok, uma boa história é importante, furos de roteiro são frustrantes, mas me recuso a integrar novas discussões sobre qual a verdadeira história imaginada por Christopher Nolan. Já gastei minha cota de formulação de pressupostos este ano, depois que a série Lost chegou ao fim.

    O espetáculo de A Origem, pra mim, está no modo como usa o sonho como metáfora para aquilo que o cinema é. Me agrada muito, por exemplo, que as cenas de sonho sejam filmadas da mesma forma que aquelas "no mundo real", sem luzes estouradas ou imagens desfocadas. E nem poderia ser diferente, já que de outro modo as situações vivenciadas por cada personagem seriam denunciadas facilmente pelo espectador. A gente acaba se transportando para a idéia do plot e se maravilha ao ver uma cidade se dobrar, ou um trem ganhar uma rua movimentada. O resto, que seja explicado nos extras do DVD. Não que eu acredite que isso vai acontecer.

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