domingo, 4 de setembro de 2011

Um Grito de Liberdade

Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, Reino Unido, 1987) Direção de Richard Attenborough. Com Kevin Kline, Denzel Washington, Penelope Wilton, Kevin McNally, Timothy West, Juanita Waterman, Zakes Mokae, John Hargreaves, Josette Simon.


Renato Cordeiro

Certos filmes dão a impressão de que poderiam ser realizados no piloto automático e ainda assim teriam um resultado minimamente decente. É claro que a história do cinema está repleta de exemplos do contrário, mas Um Grito de Liberdade é um caso positivo. Uma boa história, especialmente uma boa história real
, como a do ativista Steve Biko, já é meio caminho andado para um bom filme.

Cry Freedom foi lançado cinco anos depois de outra cinebiografia dirigida por
Richard Attenborough, Gandhi. Mas em vez de fazer um inventário de toda a história de Biko, a trama começa a partir da relação do líder negro com o jornalista Donald Woods. Em meados da década de 70, em meio aos protestos antiapartheid na África do Sul, Woods é editor de um jornal que ataca o governo com a mesma disposição com a qual denuncia Biko como promotor de racismo contra brancos. Essa visão vai cedendo espaço a uma admiração crescente a partir do momento em que é apresentado ao ativista, que na época era proibido de se reunir com mais de uma pessoa por vez e, por tabela, fazer discursos para multidões. 

Attenborough filma Biko com explícita reverência, desde o primeiro momento em que o sujeito aparece em cena, uma sombra em frente ao sol que ofusca a visão de Woods. Biko é difícil de encarar, assim como sua retórica. O jornalista, interpretado por Kevin Kline, logo mede forças com o líder vivido por Denzel Washington em um diálogo sobre a natureza do racismo, a legitimidade do que hoje se chamaria de ação afirmativa e a promoção da paz. O tom messiânico da passagem na qual Biko aparece discursando aos amigos, depois de participar de uma partida de futebol, lembra o sermão da montanha. 

Woods, é claro, terá de arcar com as perigosas consequências da aliança com Biko. Sem entrar em detalhes e cair em spoilers, vale perceber como o filme trabalha bem a crescente tensão que se apodera do jornalista, especialmente nas cenas em que precisa transparecer naturalidade para enganar os algozes. O papel do personagem de Kline, inclusive, sinaliza o engajamento da obra em atingir um público mais amplo, ao descortinar Steve Biko pelos olhos de um homem branco. Pela maneira como é enquadrado por câmeras gentis, as demonstrações de sagacidade e a carismática interpretação de Washington, indicado ao Oscar de ator coadjuvante, Um Grito de Liberdade mostra-se um inevitável tributo ao ativista cujas idéias traumatizaram e se fazem sentir ainda hoje sobre o movimento negro.

Nota: 7,0 (de dez)









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