quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Veludo Azul


Veludo Azul (Blue Velvet, EUA, 1986). Direção de David Lynch. Com Isabella Rosselini, Kyle MacLachlan, Dennis Hopper, Laura Dern, Dean Stockwell, George Dickerson, Hope Lange, Brad Dourif.


Bee

David Lynch é, para o bem ou para o mal, um diretor único. É um dos meus cinco diretores preferidos. Mas não estou aqui pra chover no molhado, glorificando as coisas que todo mundo que acompanha e gosta muito de cinema já sabe. Estou aqui para falar de Blue Velvet.

Primeiro comentário relevante: minha gente, o que eram aqueles penteados horrorosos da década de oitenta?

Assisti Veludo Azul, ou melhor, reassisti Veludo Azul porque um dia me peguei com a canção na cabeça, e me deu uma vontade suprema de rever o filme, porque eu não me lembrava de absolutamente nada. Já o havia assistido nos idos de 95, ou seja no milênio passado - desculpem, mas a piada é irresistível. Em 95 eu tinha 17 anos, e nenhuma maturidade para Lynch, que eu só iria reencontrar de verdade aos 21, quando assisti A Estrada Perdida na sala de arte do Museu, e me apaixonei perdidamente pelo senhor Dave Keith Lynch, uma das melhores coisas que já nasceu nos States. Nessa época eu já era legalmente maior de idade e tinha uma bagagem cinematográfica mais respeitável, e pude, portanto, compreender, degustar e me maravilhar com seu estilo, técnica e sonho. Os filmes de Lynch me pegam pelo estômago e me seguram suspensa em um ponto tenso durante quase todo o tempo.

E falando em sonho, Veludo Azul é um autêntico Lynch, e possivelmente um dos menos oníricos, no sentido de que tudo no roteiro é verossímil. Louco, por vezes, ingênuo demais em outros momentos, mas sempre possível. Isso destoa na filmografia de Lynch como um cisne no meio dos patos. Não querendo desmerecer os patos, nem os filmes surrealistas do diretor, apenas aponto para o contraste. Em Veludo Azul, a atmosfera de sonho característica permanece, mas ali tudo é possível. Blue Velvet foge à regra, e mesmo assim consegue ser um ótimo filme.

O longa nos mostra a história de Jeffrey, um jovem universitário que volta a sua cidade natal devido a um problema de saúde do pai e encontra uma orelha no meio do mato enquanto atravessa um campo vazio. Isso mesmo, uma orelha. Ao entregar a orelha às autoridades, se vê envolto no processo de investigação do estranho suposto crime, motivado pela curiosidade e por um bom-mocismo que é quase intragável e talvez um dos aspectos mais surreais do filme. Nesse processo se envolve com Sandy, uma ex-colega de colégio e com Dorothy Vallens, uma cantora de cabaré, se é que podemos chamá-la assim. Dorothy personifica o exótico, principalmente por ser estrangeira, interpretada por uma Isabella Rosselii completamente entregue ao papel difícil de "mulher misteriosa perturbada à beira da insanidade".

Veludo Azul lembra muito Twin Peaks, com sua pervertida cidadezinha de lenhadores, linda por fora e apodrecida por dentro - e isso é mostrado de forma simbólica no início do filme de forma marcante com insetos horrorosos por baixo da grama perfeita - com personagens caricatos e bizarros, policiais corruptos e surreais,
capangas no melhor estilo Laranja Mecânica. É um mundo estranho, e David Lynch sabe disso.

Chama a atenção também o uso sempre impecável de claro e escuro, o foco nos atores e no texto. Destaca-se a maravilhosa caracterização do personagem Ben, drug dealer que rouba a cena nos poucos minutos em que aparece na projeção, e a interpretação e construção de personagem do Frank, que causou grande rejeição nos atores aos quais o papel foi inicialmente oferecido, à exceção de Dennis Hopper, que o abraçou imediatamente. Para Lynch todos os detalhes parecem ter igual relevência, vide a importância visual dada aos personagens secundários, como as moças gordas da casa de Ben. A utilização já bem conhecida de cortes de cena inesperados e a quebra de sequencia lógica são marcantes - Lynch não necessariamente conduz a câmera como nós esperamos, e esse para mim é um de seus pontos mais fortes, já que meu cérebro sempre é levado a algumas reviravoltas e contrações inesperadas. Bem, eu gosto.

Lindo também é o contraste entre as duas protagonistas, a colegial loira, angelical, versus a diva morena transtornada e depravada. É entre as duas que Jeffrey oscila, modificando também seu comportamento, dançando entre os dois mundos, o luminoso mundo da moça de família Sandy e a escuridão do submundo de Dorothy. Jefrrey, aliás, é um herói quase inacreditável, com com motivações incompreensíveis, sempre contido e ao mesmo tempo plácido. Hoje em dia estamos tão acostumados com os vilões e anti-heróis que os mocinhos de raiz nos parecem estranhamente deslocados. A trilha do onipresente Angelo Badalamenti, parceria constante do diretor, e a reutilização de Kyle MacLachlan, protagonista de Duna
, outro filme dirigido por Lynch, contribuem para manter a assinatura inconfundível.

Não é meu Lynch preferido, mas é um prato cheio pra quem gosta do esquisitão.













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